A EDUCAÇÃO DA DÉCADA DE
CINQUENTA.
Crônica de Honorato Ribeiro.
Existia a cultura das charadas
entre os professores e alunos, e a gente aprendia bastante os sinônimos e
antônimos de nossa tão difícil língua portuguesa. Havia alunos que se
esforçavam mais, e eram respeitados pelos colegas em algumas mais difíceis
matérias: Português, Latim e matemática. Certa vez, após a o toque da sineta
para o recreio – eu estudava à noite – e começamos a conversar sobre flexão
verbal. Quando José Fogaça, contemporâneo, pois ele estava cursando a terceira
série ginasial e eu a segunda série. Ele disse-me: Essa história sua, Honorato,
só acredito quando eu ver. Então eu lhe respondi: Quando eu ver? Quando eu vir,
é o correto. Então ele e outros deram para rir e dizer-me que eu estava errado.
Então eu disse ao José Fogaça: Vamos, então, tirar a dúvida com o professor
Otávio Samuel dos Santos. Ele estava dando aula de inglês. Eu pedi licença e
disse ao professor: Professor, o certo é quando eu ver ou quando eu vir? Ele me
respondeu com aquela voz forte dele: “Quando eu vir”, o verbo ver é irregular.
Voltamos para o jardim e o José Fogaça disse-me: Não sabia, desculpe-me.
Aluísio Abreu era meu colega de
classe. O nosso professor de português era Antônio Pimenta. Muito exigente e
gostava de chamar o aluno ao quadro. Então ele me chamou ao quadro e também o
Aloísio Abreu e nos disse: Honorato você vai escrever o pretérito perfeito do
indicativo do verbo ser, e o Aloísio pretérito perfeito do indicativo o verbo
ir. Então eu comecei a escrever: Eu fui, tu foste, ele foi, nós fomos, vós
fostes, eles foram. Do meu lado, o Aloísio escreveu: Eu fui, tu foste, ele foi,
nós fomos, vós fostes, eles foram. Quando acabamos de escrever, o professor
Pimenta – chamávamos de Professor Pimenta – Disse sorrindo: Que é isso,
Honorato? Você escreveu a mesma coisa do Aloísio? O Aloísio escrever a mesma
coisa do Honorato? Se eu mandei um escrever o verbo ser e o outro o verbo ir, e
os dois escreveram a mesma coisa? Quem copiou um do outro? Quem dos dois está
certo? E eu lhe respondi: Eu tenho certeza que estou certo, professor. Aloísio
começou a sorrir e todos os colegas de sala também. E o professor perguntou ao
Aloísio: E você, Aloísio, está certo? Respondeu Aloísio: Sim, professor. Tem
certeza que você está certo? Respondeu Aloísio: Com toda certeza, professor. O
professor virou para mim e perguntou-me: E você, Honorato? Respondi: Eu tenho
plena certeza de que estou certo, professor. Foi um silêncio total na sala. O
professor sorrindo, calado, olhando para nós dois, e disse-nos: Ambos estão
certos. Agora irei explicar essa coincidência desses dois verbos no pretérito
perfeito. O verbo ser, quando você, Honorato, falar: Eu fui vereador. Está
falando o verbo ser, ser vereador. Quando o Aloísio disser, Fui a São Paulo,
ele está afirmando o verbo ir, ir a São Paulo. Que maravilha de aula! Salientarei
aos leitores que a segunda sério ginasial é hoje a sexta do ensino fundamental.
Era sempre assim naquele tempo bom de bons professores e de alunos competentes
em todas as matérias.
Eu sempre gostava, na sala de
aula, soltar umas piadas: O professor Pimenta perguntou-me: Honorato, como se
chama as pedras do calçamento dessa praça? E eu respondi: Paralepípedo,
professor. Ele, então, sorriu e disse-me: Não é paralepípedo, Honorato, é
paralelepípedo. Então eu lhe respondi: Então, professor, tem dois lelé. A sala
não suportou e caíram na risada, até o professor. A Nélia de Zeca Abreu e a
Florinha de seu Agenor Faria eram minhas colegas de sala. Então, quando a gente
se encontrava dizia: Bom dia, lelé. Bom dia, lelé, e eu respondia para as duas
colegas: Bom dia, lelé. Nos dias do Grêmio havia o presidente, o vice, o
secretário e outros componentes sentavam-se à mesa e chamava o aluno para fazer
discurso, outro recitar poesia, outro cantar uma canção. Havia alunos
competentes que faziam discursos improvisados, como Gilberto Assunção, Hermelino
Cardoso, o Cardozinho, e outros recitavam poesias decoradas. Eu sempre subia
levando meu violão e cantava belas canções. Era uma cultura que nos fazia de
alunos sábios e muitas vezes cotados na sociedade. No dia primeiro de Maio, dia
do trabalho, na Liga Operária Beneficente de Carinhanha, havia um palco para
realizar shows e dramas, teatro, os estudantes se preparavam para fazer
discurso. O nosso professor de matemática, Antônio Lisboa, Toninho de Zuza
Lisboa, sempre fazia discurso no dia primeiro de maio. Dia das mães, todos nós
teríamos de preparar bons discursos para subir ao palco e fazermos belos
discursos às mães. Era assim a cultura de Carinhanha, na década de 1950 e 1960.
Hoje eu tenho saudades daquele tempo e de tantos colegas que eu tive. De bons professores
como professor Maurício, professor de latim, Dr Péricles Paulo da Mata, que foi
meu professor de História Geral. Que maravilha! Havia a professora Verônica que
lecionava matemática; tudo ficou na história cultural de Carinhanha. Juracy
Pereira Pinto, professor de Francês, professor Otávio Samuel dos Santos, de
Inglês, professora Aparecida era de Geografia e esposa do professor Pimenta.
Professor Geraldo e tantos outros... Cada um melhor do que o outro. Era uma
riqueza incomensurável, que não voltará jamais.
Não vou deixar de contar essa
passagem. Eu já tinha saído como estudante; tinha casado, mas, no dia que havia
grêmio, eles sempre me chamavam para eu acompanhar alguns que gostavam de
cantar. O professor Otávio Samuel dos Santos era o diretor. Ele presidiu a
sessão e começou a chamada. Uns faziam discursos, outros poesias, e chegou a
hora de se apresentar o seu discurso, Francisco Nascimento, conhecido por Chico
Tabica. Subiu e ficou bem perto do professor Otávio e disse: Hoje é um dia
importante, de um famoso escritor. Machado de “Aço”. O professor quando ouviu
aquele anúncio, virou e disse: Saia daqui, seu malandro, com seu machado de
aço. E a turma caiu na risada. Eis que tempo bom! O nosso Ginásio na casa da
Careta! Vinham alunos de várias cidades: Magas, Itacarambi, Coribe, Cocos,
Santa Maria da Vitória, Paratinga, Bom Jesus da Lapa, Malhada, Iuiú, Matias
Cardoso para estudar em Carinhanha, que se tornou a cidade da cultura. E como
anda agora? Parou no tempo. “Na esperança do porvir de herói de capacidade”