segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A PORCA QUE VOMITAVA FOGO.



DÉCIMA NONA PARTE.

Há muito tempo, lá pela década de 1940, não havia luz elétrica, somente os lampiões de gás a iluminar as ruas da pequena cidade de apenas cinco mil habitantes. Não havia, ainda, ruas calçadas e nem avenidas. Tudo era areão com aquela areia alva para a meninada brincar de boca de fogo, chicotinho queimado e lampião com seus cangaceiros e os soldados a lutarem contra os de Lampião. As armas eram cabo de vassoura e o som dos tiros era emitido pela boca de cada soldado e de cada cangaceiro: Pá, pá, ta, tarará...  Lua clara e bonita, céu azul e cheio de estrelas, que podia ver nitidamente o “Caminho de São Tiago”, naquele tapete celestial. Mas, quando não havia lua, a gente brincava à frente de nossa casa, ou do vizinho, e ia dormir cedo, principalmente nas sextas-feiras, pois aparecia o lobisomem, mula sem cabeça e a porca que vomitava fogo pela boca. Todos nós tínhamos medo de sair à noite escura para brincar. Os pais da gente, também, não nos deixavam sair. Além dessas brincadeiras que relatei acima, havia uma que nós brincávamos sentados na calçada da casa da careta. Foi Zé de Deraldo que nos ensinou. Era muito boa e a gente ria à beça. Era assim a brincadeira: Sentados em fila como se cada um de nós fosse do exército a começar pelos cozinheiros que dava o nome de Cuca. Então ele, o Zé de Deraldo, dizia: primeiro cuca – ao ouvir a palavra cuca a gente já começava a rir – segundo cuca, terceiro cuca, soldado, cabo, capitão, terceiro sargento, segundo sargento, primeiro sargento, segundo tenente, primeiro tenente, capitão, tenente coronel e coronel. Ao contar ele sempre punha a mão na cabeça de cada um. Cada um teria de decorar o seu posto. A brincadeira era uma espécie de sabatina. Quando o Zé de Deraldo falava com autoridade: “Passei revista na tropa e senti falta do primeiro tenente”. Esse respondia rápido: Primeiro tenente não falta.
-E quem falta?
-É o segundo tenente. Esse respondia logo: Segundo tenente não falta.
-E quem falta?
-O coronel... O coronel se esqueceu de seu nome e rebaixava para primeiro cuca. A gritaria soava em toda praça, porque o coronel havia sido rebaixado ao primeiro cuca. O cuca subia para o segundo cuca e sucessivamente todos até o que estava à baixo do coronel fica no posto de coronel. Todos subiam. E assim a gente passava à noite a brincar naquela Praça da Matriz. Que tempos idos que não voltam mais! É como diz Ataulfo Alves com sua música: “Eu era feliz e não sabia”.
Bem, agora eu passarei a contar o caso da porca que vomitava fogo. Sexta-feira, noite escura sem lua e sem lampião aceso, Bertim vinha do brega e deparou-se com a tal porca, -  na baixada onde hoje é o mercado municipal. Ali era uma enorme praça de areão e onde o povo passava para ir à Rua da Bela Vista, onde moravam Dinha Bilu, Seu Zuza Fuma, seu Romão pescador,  Seu Sabino, seu Zuza Ramos, Umbilino, dona Anja Osório, Seu João Osório, seu Patrício e seu Joaquim do Aguiás. Mais à cima ficava as casa de João Agrário e Maria Zeveda. No final da Rua Alto da Bela Vista é até hoje o Cemitério da Saudade – Foi bem ali que Bertinho sacou do punhal e enfrentou a porca que furiosamente roncava e vomitava fogo e ele não alvejava a bicha. Levantava o braço e enfiava o punhal, mas encontrava vento. Lutou o tempo todo e a porca com dentes agudos qual caititu sobre ele. Bertim vendo que não se tratava de porca, correu feito louco e dobrou a rua Duque de Caxias, onde morava a sua irmã, e abriu às pressas a porta e caiu dentro da casa assombrado. No outro dia era só o que o povo comentava: Bertim lutou com a porca que vomita fogo essa noite e fugiu assombrado. Mas se ele não tivesse fugido a porca rasgava-o a dentadas.  Muita gente já correu dela assombrado. Ele aparecia todas as sextas-feiras, no local, onde hoje, é a Avenida São José.
Com essa história que o povo contava é que, Luis Abreu toda noite gritava da esquina de Seu Fostino: Iaiá, ó Iaiá, vem me buscar, Iaiá! E de olhos arregalados para atravessar donde aparecia a porca e o outro olhar era para o cemitério, que ficava perto. Então eu falava para Celino, meu irmão: Vamos buscar Luizinho, Celino. E nós dois corríamos ao encontro dele e o levávamos para a casa da Dinha Bilu, sua avó. É que ele dormia na casa da avó. Quando ele tardava de ir, já de noite, os gritos dele, sempre a gente ouvia: Iaiá, vem me buscaaaar...Iaiaaaaaá...

FIM.

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