sábado, 9 de outubro de 2010

A COMADRE MORTE


A COMADRE MORTE.
Do livro histórias contadas por dona Gertrudes.
Por Honorato Ribeiro dos Santos.

João tinha uma família muito grande, dez filhos, mas não tinha uma profissão sequer para viver melhor. Era tão pobre, que, quando um filho nascia, não achava ninguém para batizar. Todos recusavam de ser compadre e comadre dele. Era um homem bom, mas a miséria invadiu sua vida deixando à margem da sociedade.
Um dia ele levantou e se ajoelhou e disse: Meu Deus! Por que as pessoas não me têm como gente a ponto de recusar batizar os meus filhos?! Se a morte quiser batizar meus filhos eu darei com muita alegria e serei seu compadre. Quando ele acabou de fazer a jura, a morte se apresentou a ele e disse-lhe:
-Estou aqui com muito prazer e batizarei seu filho, pois ninguém gosta de mim. Todos me odeiam e foge de mim. Você foi o único a me valorizar.
-Pois bem. Batize um dos meus filhos e tornemo-los amigos.
De hoje em diante você sairá da miséria e se transformará num homem famoso e rico. Far-lhe-ei um acordo com você. É o seguinte acordo: Você será um curador. Quando houver uma pessoa doente você irá curá-la. Quando você entrar no quarto do enfermo e me ver sentada aos pés da cama pode fazer sua garrafada de remédio e dá ao doente que ele ficará bom. Porém, quando você entrar num quarto e eu estiver sentada na cabeceira da cama, pode falar com a família que esta pessoa não tem mais cura. E assim foi feito o acordo entre seu João e a comadre Morte.

Seu João tornou-se famoso e rico, pois tratava e curava todos os tipos de doença. A sua casa era cheia de gente o convidando para assistir os doentes, pois, quando ele entrava no quarto do doente sempre a comadre estava sentada aos pés da cama.

Quando foi um dia, apareceu-lhe a esposa de um homem rico cujo marido já estava desenganado dos médicos, para que ele o curasse. Daria muito dinheiro se ele conseguisse tratá-lo. Seu João aceitou. Mas quando entrou no quarto do homem rico a comadre estava sentado à cabeceira da cama. Ele então disse para a família do doente:
-Vamos mudar a posição da cama. Mudaram e ele foi fazer a garrafada, a meizinha de sempre. Quando ele chegava, a comadre estava sentada à cabeceira da cama. Ele mandava mudar a posição da cama sempre quando a comadre se encontrava à cabeceira dela. A sua teimosia era porque iria receber muito dinheiro; dinheiro que ele nunca viu em toda a sua vida. Então se esqueceu do combinado e foi para a mata arrancar raiz para fazer a garrafada. Quando ele estava cavando raiz a comadre se lhe apresentou e disse a ele:
-Compadre, como foi o combinado? Eu não lhe disse que, quando eu estivesse sentada à cabeceira da cama, o senhor diria aos familiares que não tinha mais remédio, não foi?
-É, comadre, mas é muito dinheiro que vou ganhar. A senhora dá um jeitinho...
-Não posso, compadre. O dia dele está chegado.
Mas a senhora poderá dar mais uns anos de vida para ele e eu, além de ganhar muito dinheiro, fico famoso e desafiarei os médicos.
-Compadre, não posso fazer isso. Então, acompanha-me, que eu vou lhe mostrar uma coisa e o senhor ficará sabendo que é impossível, para que ele tenha mais vida.
O João, famoso curador, acompanhou a comadre Morte mata à dentro. Caminharam até que avistaram um casarão. Chegando lá, a comadre abriu a porta e João viu um grande e incomensurável salão cheio de velas acesas. Então a comadre Morte disse a João:
-Olhe, você está vendo estas velas acesas? Cada uma delas representa a vida de cada um na face da terra. Agora eu vou lhe mostrar a do homem rico que você quer tratá-lo.
João viu a vela do homem findando, quase apagando. Então ele perguntou para a comadre:
-E a minha, comadre? Cadê?
-É esta aqui. Está enorme e você vai ter uma vida longa.
-Comadre, a gente pode trocar?
-Trocar como?!
-Pegue a vela dele e põe no lugar da minha, e a minha no lugar da dele.
-Bem, compadre, se você quiser posso trocar.
-Pode trocar, disse João.
A comadre trocou e ele foi fazer a garrafada. Quando ele entrou no quarto encontrou a comadre sentada aos pés da cama. Ele ficou alegre, pois sabia que o homem ficaria curado e ele iria ganhar bastante dinheiro e ficar famoso. Ele deu o remédio e o rico homem ficou curado. Deu bastante dinheiro ao João curador e ele foi se embora para sua casa. Mas, quando chegou lá, se lembrou que tinha trocado a sua vela pela do rico. Ele lembrou assombrado, pois a sua riqueza não iria valer nada, na certa iria morrer. Então ele disse para a sua esposa: Mulher, eu vou pelar o meu cabelo e fazer a minha barba. Quando eu chegar do barbeiro, vou deitar aqui no meio dos meninos. Quando a comadre chegar aqui me procurando, diz a ela que eu fiz uma viagem e não sabe quando voltarei e nem tampouco diz a ela para onde eu fui. Quando ele deitou no meio dos meninos, achando que a comadre não iria lhe reconhecer, se enganou. A comadre chegou e disse à sua esposa:
-Cadê compadre João, comadre?
-Ele fez uma viagem.
-Para onde, comadre?!
-Ele não me disse.
-Ora! O compadre não poderia fazer isso comigo, pois o nosso trato foi hoje e não poderá passar de hoje. Como é que o compadre faz uma desfeita desta comigo?! Olhe, comadre, eu vou entrar e levar um dos meninos no lugar dele. Pois trato é trato...
A Morte entrou e viu os meninos deitados todos juntinhos. Então a morte disse para a comadre:
-Olhe, comadre, como o compadre não está aqui, eu levarei este da cabeça pelada no lugar dele. Mal a Morte o tocou, João deu a alma ao criador.

Dinheiro não compra a morte e nem tampouco o céu.

Honorato Ribeiro dos Santos.

Um comentário:

  1. Belo conto, Hagá Ribeiro!
    O Homem sempre tentando burlar o acordo feito com o "incrivel, fantástico e extraordinário", parafraseando um programa do famoso apresentador e radialista Almirante, aqui do RJ.
    A natureza humana sempre tem esse artifício de superar coisas e não seria a morte, o diabo e nem mesmo deus que ficariam imunes...rsrsrs.
    Um grande abraço e eu já tinha lido quando do e-mail que você me enviou e gostei, também.
    Miguel

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