sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CHICO VAQUEIRO.


CHICO VAQUEIRO.

História contada por Honorato Ribeiro dos Santos.

Chico Vaqueiro, velho matuto, analfabeto, que só conhecia mesmo a labuta do dia-a-dia com seu gado e de sua propriedade. Era mesmo um jeca, mas homem honesto e querido por todos da cidade. Como não sabia ler e nem escrever; distante do mundo moderno, sem rádio para saber das novidades; nunca ouviu ninguém falar no progresso tecnológico de tais invenções. Era mesmo um desinformado de tudo no mundo.
Naquela época, na década de 1940, aqui, mal se ouvia, com o ouvido colado à fechadura da porta de seu Álvaro Telegrafista para escutar as notícias do rádio, que somente ele possuía. Muito orgulhoso, trancava a porta para evitar os curiosos; somente ele e sua mulher poderiam ouvir o Repórter Esso, e mais ninguém. Era maníaco o velho Álvaro Telegrafista.
Chico Vaqueiro ouviu falar do tal rádio, mas não tinha noção de como seria o tal aparelho moderno, que somente Álvaro o tinha. Também ouvia o povo falar em trem de ferro, avião, caminhão e bicicleta, mas nunca tinha visto nenhum deles nem mesmo pelo retrato. Entretanto, na sua perspectiva imaginária formavam imagens irreais e absurdas desses objetos modernos, na sua mente, cujos objetos já estavam surgindo, mas aqui não havia nenhum deles.
José de Oliveira Lisboa, prefeito municipal da pequena cidade, conhecido por Zuza Lisboa, era idealista e amava o progresso e o desenvolvimento de sua terra, resolveu comprar uma máquina a vapor para beneficiar algodão e arroz. Era a usina sonhada por ele e por todos., pois geraria emprego para muita gente. Assim aconteceu. Zuza Lisboa comprou a máquina e veio transportada em um caminhão FORD. Veio, também, um técnico alemão por nome Otta montar a usina e pô-la para funcionar. Houve realmente um grande progresso para a cidade. Muita gente se empregou e ganhou muito dinheiro. O algodão era o ouro branco daquela época. Saia fardos de algodão de 100 quilos para embarcar nos vapores até a cidade de Pirapora, em Minas Gerais.
A história verídica que ora contamos é muito engraçada. Não havendo lanchas e nem ponte, o gado, automóvel e caminhão atravessavam em ajouje. Assim aconteceu. O caminhão atravessou no ajouje, no pontal e seguiu para a cidade de Carinhanha à margem esquerda do Velho Chico. Como não havia estrada, pois o primeiro caminhão, que surgiu, era estrada cavaleira de areão. O caminhão com o peso da máquina teve de reduzir e fez muito barulho. Para quem nunca viu ou ouviu o ronco de um caminhão FORD rasgando areão, se espantaria à primeira vista. Foi o que aconteceu com seu Chico Vaqueiro. Ele, como de sempre, arriou o seu cavalo, pôs os alforjes cheios de ovos na garupa do cavalo, para vender na cidade. Era já de encomenda. Montou no cavalo e seguiu para pegar à marginal da estrada. Mas, quando ele saiu da vicinal e pegou a estrada principal, deparou-se com o caminhão com seus faróis acesos e o barulho do motor, a luz forte encandeou os olhos de Chico Vaqueiro e os do cavalo; que saíram loucos: cavalo e cavaleiro assombrados quebrando pau, rasgando estrada, até chegou à sua fazendo de olhos arregalados, sem fôlego e completamente assombrado. Não seria diferente mesmo, para quem nunca viu um caminhão e os faróis fortes e com tamanho barulho do motor é de se assombrar quem nunca viu. Chico Vaqueiro entrou na casa, trêmulo sem poder falar, pois, o coração disparou numa taquicardia a 180 batidas. Só faltou sair pela boca. Entalado, suando frio, com as calças toda borrada, arregalou os olhos para a esposa e disse-lhe: Defonsa, me dá água qui to assombrado, muié! Meu cavalo também tá!
-O qui foi, home de Deus!? Cê tá amarelo e tremeno?!
-Defonsa, eu vi um bichão tão horrive, cum os oião lumiento quinem fogo, cua claridade qui fiquei cego e surdo do ronco do bicho!...O bicho curria tanto, Defonsa, e zuano forte qui nunca vi em toda minha vida! Era mais veloz do que meu cavalo! Num to li dizeno, Defonsa?! O ronco do bicho sacudiu os matos e o chão. Ele era mais maior do que esta casa; num to li contando, muié?! Pode crê, Defonsa, pode crê!..
-Chico, num é um tar de camião de Zuza Lisboa qui o povo tá dizeno que vem aí, home?!
-Não era camiano não, Defonsa! O bicho era veloz demais. Curria, butecava o zoios ni mim queria me cumê, Defonsa! Se eu não fosse bom vaqueiro e meu cavalo não fosse bom, o bicho tinha me cumido eu e meu cavalo!
-Ô Chico, eu onte vi uma tar de bicicleta, quem sabe não foi a bicicleta qui cê viu?
-Não foi bicha queta nem nada, muié! Era um bichão inorme e corredor.
-Tô achano qui ocê tem razão, Chico. Eu vou fazer um chá de erva-cidreira pro cê tomar e acarmar. Depois deita um pouco e assossega. E os ovos, Chico?
-Quebou tudo, Defonsa.
-oito dúzia de ovo, quebrou tudo?! Minha Nossa Senhora! E agora, meu Deus?! Era de incumenda...
No outro dia Chico Vaqueiro foi com sua esposa à cidade e viram o caminhão e a máquina da usina em cima e muita gente curiosa em redor admirando da geringonça. Chico Vaqueiro, ainda assustada, foi chegando de mansinho para conhecer o tal bicho de ferro que o deixou assombrado. Então ele disse para sua mulher:
-É verdade, Defonsa, os home quer ser mais de que Deus! Cuma é, Defonsa, qui um montão de ferro desse, tem zoi de fogo qui clereia tudo e uma zuada danada tem tanta força?! Eu tô besta de vê cuma é qui o home inveta essa coisa de assombrar a gente!
-É, Chico, maió mermo é Deus e nada mais. Vamo imbora pra casa, Chico. Já vimo o bicho. Foi Deus qui li ajudou cê não morrê assombrado!. 

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