O SÃO JOÃO DE
MINHA TERRA.
Crônica de
Honorato Ribeiro dos Santos
Desde criança,
lá pelos anos de 1943 a
1954, as noites de São João eram bastante animadas. Naquela época, não havia
luz elétrica, mas a cidade era iluminada pelos lampiões de carbureto e as
fogueiras em todas as ruas à porta de cada residência. Em algumas casas havia o
arvoredo, uma árvore grande que cortavam na mata e fincavam no chão; e em volta
dela achas de lenha que punha fogo até que ele sendo consumida pelo fogo caia
cheia de presentes, até dinheiro dependurava-se numa das galhas. Enquanto o
arvoredo estava sendo queimado, multidões de jovens ficavam em pé em volta do
arvoredo ansiosos de vê-lo cair e eles pegarem as suas prendas. Quando caia, multidão
de rapazes saltava no meio das galhas do arvoredo, entre tapas e murros, socos
para pegar o melhor presente. Com tamanhas bravuras e afoitos, os que estavam
de fora vendo toda aquela disputa, soltavam fogos no meio da multidão. Mas quem pegava o dinheiro ou uma garrafa de
cachaça ou conhaque, saia louco de alegria e a farra era grande entre os
amigos. O melhor e mais alto arvoredo era à porta da casa do senhor João
Agrário, fazendeiro e funcionário do telégrafo como guarda de linha. Esse
arvoredo era cheio de cachos de banana, pencas de laranjas, dinheiro de nota de
cem cruzeiros, litro de vinho, cachaça, conhaque São João da Barra, vermute e
outros tantos presentes dependurados nos galhos do arvoredo.
Havia outros
arvoredos espalhados por várias ruas. Mas o de dona Maria Curralinho era muito gozado,
pois além dos presentes dependurados no arvoredo, havia o café com broa,
biscoito voador, beiju de tapioca e rompia à noite toda e o samba de umbigada
no quintal da casa dela. Uma viola, uma caixa um pandeiro, um reco-reco e
mulheres sambando com uma garrafa na cabeça a equilibrá-la e não deixava a “branca”
cair no chão, mesmo dando a sua umbigada. Era devera uma noite engalanada e
eufórica.
Mas, o mais
importante dessa tradição dos festejos de São João era o café com bolo de
arroz, de puba, biscoitos de toda qualidade de sabor, como ginete, biscoito
escaldado, requeijão e o café quentinho e a porta da casa era aberta para
gregos e troianos. Vou citar algumas casas que era tradição do dono que louvava
o Senhor São João: João Fernandes e dona Palmira, sua esposa, que, antes de
distribuir o café com massa, rezavam ao Senhor São João. Seu Satírio, conhecido
por Seu Sato, comerciante e flandreiro, que morava à Rua Santa Luzia, na sua
residência havia uma mesa enorme cheia de biscoitos de todas as qualidades,
bolos e o café quentinho que rompia a noite toda. Na Rua Quintino Bocaiúva,
onde hoje, é a Escolinha Branca de Neve, havia o arvoredo e o café com bolo e
outros a petiscos gostosos que eram distribuídos para todos sem exceção. Na
casa de Dr Bráulo Barral e dona Madalena, sua esposa, a mesa era farta até de
peru, galinha cheia, bolo, e café e a gente tocando e cantando com o som do bandolim de dona Madalena Villares Barral,
o violão, pandeiro e o sax de Antônio Marques que, com seus chorinhos do
Ratinho alegrava-se todos nós. Havia, também, na casa de Sa dona Gusmão o café
com bolo de arroz, de mandioca, de milho, ginete, biscoito escaldado, biscoito
voador e o café para todos. Na noite de São João a gente escolhia onde ia tomar
o café com massa.
Mas o que eu gostava
mais, ainda adolescente, era assar a batata doce na fogueira. Outros gostavam
de assar o peixe e outros a abóbora nas brasas da fogueira. Ninguém dormia,
pois as festas de louvor ao senhor São João era a noite inteira. Nos salões,
como o da Liga Operária e o Clube Recreativo Dois de Julho, havia a quadrilha
de seu Jorge Navarro, e, depois, era o baile para os sócios tocado pela
orquestra onde eu era o regente dela.
Quando
chegaram os calçamentos e a luz elétrica foi diminuindo até que tudo ficou na
lembrança. Os que ofertavam o café com massa, Deus já os chamou e não houve
mais quem continuasse essa festa tradicional entre as famílias carinhanhenses.
Alguns ainda alcançaram como era o São João em Carinhanha; os sanfoneiros,
também, desapareceram. Tudo hoje são
instrumentos eletrônicos da era moderna. Mas prefiro ainda os instrumentos,
como o cavaquinho, violão, clarinete, sax, trombone e pistão sem sons
eletrônicos com alto decibel. Até o baião do Luiz Gonzaga desapareceu; não há
mais que toque no acordeão nos nossos bailes e danças juninas.
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