sábado, 4 de março de 2017

SABE LER E NÃO SABE ESCREVER.



UM GAROTO LETRADO.
Crônica de Honorato Ribeiro dos Santos.
Fui morar em Belo Horizonte, no ano de 1959, no Bairro da Graça, à Rua Guararapes. Lá eu encontrei um garoto adolescente de 17 anos de idade, que falava fluentemente português que parecia um professor de letras. Como ele era ainda adolescente, vi que não poderia ser professor, mas poderia estar frequentando uma boa escola particular e de bons professores. Era o que eu imaginava. Um dia ele me apareceu e começamos a falar juntamente com Antônio Faria, filho do senhor Agenor Faria. Quando o garoto saiu, eu disse para Antônio: Esse garoto deve está matriculado em uma boa escola.  Antônio sorria e, continuou sorrindo. Eu, então, lhe perguntei: Por que você está sorrindo, Tone!? E ele me respondeu: Esse garoto é analfabeto, nem o nome dele ele sabe escrever. Eu fiquei pasmo e lhe disse: Como ele é analfabeto e falando um português erudito desse!? Antônio respondeu-me: É que ele convive somente com pessoas letradas, formadas, médicos, advogados. Ele aprendeu por causa da convivência dele com os letrados. Ele faz compra para essas pessoas e algumas coisas como ir ao correio postar cartas e ao banco colocar dinheiro e tira-lo para eles. Eles gostam muito dele. É pobre e seus pais também. Eu disse ao amigo Tone: Nunca iria saber!
Eu tenho um amigo que só fez a segunda série ginasial, mas sabe falar um português erudito e clássico; sabe histórias dos grandes homens famosos, músicos famosos, história geral e da humanidade. Ele se tornou um grande compositor e violonista. Quem o ver falando, diz logo que ele é um jornalista ou escritor crítico. De quando em vez ele me aparece como uma boa visita e mostrar-me música nova de sua composição. Eu sou fã dele como músico e como erudito em se falando fluentemente a nossa língua tão difícil: O Português.
Uma coisa que ele me disse: Tentei por várias vezes aprender tocar violão por música, ler partitura, mas não entrou na minha cabeça, é muito complicado e difícil, por isso desistir. Mas, quando você, amigo leitor, vir tocando violão e cantando as suas músicas de sua composição, dirá: Ele estudou em conservatório musical, pois é muito bom.
Fui morar em Correntina em 1968, e lá pus uma escola de música e uma escola de ensinar português e outras matérias, menos matemática. Apareceu-me uma pessoa idosa  de uns 60 anos de idade, analfabeta e me pediu para que eu o alfabetizasse. Aceitei o desafio, não cobrei nada dele, pois o admirei, porque seu sonho era pelo menos saber escrever seu nome. Parece-me que o nome dele era Zé de Aurora. Tinha uma venda no Mercado Municipal, mas outras pessoas é que o ajudavam anotar num caderno os fregueses que compravam fiado. Ensinei seis meses até as quatro operações de matemática. Quando vim embora para a minha terra natal, 4 anos depois, fui visitar os amigos, dei saudades. Fui ao Mercado Municipal e lá deparei com o velho aluno meu por detrás de um balcão. Era o mesmo comércio dele. Ele me chamou e fui lhe atender. Em chegando lá, ele pegou um volumoso caderno e me mostrou dizendo-me: Olha, professor, esse caderno de anotações. Sou eu que escrevo e anoto tudo, graças ao senhor. Olhei aquele caderno e vi as letras bem feita, uma caligrafia invejável e as anotações de vendagens fiados. Eu emocionei e lágrimas correram pelos meus olhos de alegria. Ele já tinha 78 anos de idade. Mas a maior alegria não foi minha, mas a dele de agora saber escrever nomes e números em dinheiro anotado naquele caderno.
Não posso deixar de contar essa história. Eu formei um coral de jovens, moças e rapazes na igreja de Nossa Senhora da Glória em Correntina. Na hora da liturgia da palavra era lida a epístola de Paulo, sempre subia uma adolescente de 17 anos para ler. Lia tão bem que parecia ser uma jornalista ou pessoas com nível de faculdade. Fiquei fã daquela jovem. Quando acabou a missa eu perguntei a irmã Oneide quem era aquela jovem que lia sempre epístola tão bem. Ela me disse: Ela é da zona rural e veio aqui estudar, pelo menos escrever o nome dela. Escrever o nome dela!? Sim, Honorato, ela sabe ler, mas não sabe escrever nem mesmo o nome dela. Que!? Eu procurei a jovem e ela me confirmou. Eu, então, disse para ela: Eu estou lecionando para algumas pessoas que não sabem ler nem escrever. Se quiser eu lhe ensino e não vou lhe cobrar nada. E ela aceitou. Foi assim que ela aprendeu a escrever. O nome dela é Rita. Nunca esqueci dela e de sua habilidade de ler bem e não saber escrever nem seu próprio nome.

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