segunda-feira, 1 de junho de 2015

QUERER É PODER.



CONTO de Honorato Ribeiro dos Santos.

Dia desse eu recebi uma visita de um amigo conterrâneo e, naquela oportunidade, eu lhe pedi que me contasse toda a sua vida, sua luta, seu sonho. Ele sentou e eu do seu lado ouvindo atentamente. Foi mesmo uma entrevista, pois comecei a lhe perguntar e ele me respondendo calmamente. E a primeira foi esta:
-Onde você fez o primário?
-Lá mesmo na roça. Um professor leigo alfabetizou-me e depois eu me matriculei no grupo escolar. Todavia, como eu era pobre, trabalhava de servente de pedreiro, a fim de ganhar dinheiro e comprar livros, cadernos e outros pertences da escola.
-E, quando você fez o primário, foi estudar onde?
-Eu vim morar aqui, na casa de amigos, a fim de matricular-me ao ginásio. Para isso teria que submeter ao curso de Admissão. Estudei um ano e passei bem e me matriculei ao primeiro ano ginasial.
-Você concluiu o curso ginasial?
-Sim. Foi a minha primeira vitória que alcancei.
-E depois, você foi para onde?
-Fui para São Paulo com a cara e a coragem. Ao chegar lá, comecei a procurar trabalho, pois o meu sonho era formar-me à advocacia.
-Conseguiu achar?
-Sim, mas fiz um concurso público de enfermagem. Comprei as apostilhas e comecei a estudar. No dia do concurso fi-lo e passei. Fui trabalhar como enfermeiro num grande hospital.
-E como conseguiu fazer vestibular para realizar o seu sonho de bacharel em direito?
-Trabalhava durante o dia e à noite estudava. Preparei bem e submeti ao vestibular e passei.
-Continuou a trabalhar de enfermeiro?
Sim, pois teria que pagar a faculdade. E assim foi toda a minha vida: trabalhando e estudando, até que chegou o dia de bacharelar-me em direito.
-E depois que você se bacharelou, foi para onde?
-Submeti ao concurso da OAB para poder-me advogar.
-E quando passou, você ficou lá em São Paulo?
-Não. Voltei para a minha terra.
-E o que aconteceu com você? Houve sucesso?
-Houve alegria de minha família e meus amigos, mas dos políticos não.
-Por quê?
-Preconceito racial e social. Vou lhe contar: Mandaram me matar, pagando um pistoleiro de aluguel. Eu não havia ganhado dinheiro para comprar um carro; adquirir uma bicicleta, que era o meu veículo. Numa daquelas minhas andanças, um pistoleiro entrincheirado apontou a arma para tirar-me a vida. Mas não conseguiu; desistiu.
-Como assim? Ele não havia recebido dinheiro para lhe matar?!
-Sim, mas, segundo o mesmo, dias depois do ocorrido, encontrou comigo e me contou: “Pagaram-me para lhe matar. Eu me entrincheirei, quando você passou na bicicleta. Eu apontei a arma, mirei bem. Depois, eu abaixei a arma; arrependido, voltei e devolvi o dinheiro.” (Sic).
-Puxa vida! Meu Deus, seu anjo da guarda é forte!
-Tenho mais para lhe contar.
-Conte-me. (Aguarde a continuação desta história).

QUERER É PODER.
Conto de Honorato Ribeiro dos Santos. (Continuação).
-Mandaram a polícia tomar a minha carteira de advogado, meus documentos e queriam me prender.
-O que fez você?
-Foi a Salvador dei parte no Tribunal Regional, comuniquei a OAB do estado. Imediatamente me devolveram.
-O que aconteceu com a polícia que lhe fez essa injustiça?
-Apenas mudaram para outra cidade. Não foram punidas. Estávamos em plena ditadura do golpe Militar.
-Depois dessa, o que lhe aconteceu depois.
-Eu já era juiz da quarta vara. Peguei o meu carro e fui para Salvador. No meio do caminho havia uma blitz; havia muitos carros parados sendo revistados. Eu parei meu corro e veio um soldado mais outro. Pediram-me minha carteira e lhe mostrei a de juiz. Ele pegou, olhou e disse-me: “Carteira falsa, hei?” (preconceito racial).
-O que você respondeu?
-Nada. Esperei ele me dar ordem de prisão. Mas um sargento viu e aproximou do meu carro. Quando me viu disse: Doutor, você aqui?! Que alegria! Há quanto tempo não o vejo. Ele estendeu a mão e eu estendo a minha num aperto de mãos, e o soldado me devolveu a minha carteira e segui viagem.
-Você não disse nada para o sargento?
-Não. Para quê. Nessa mesma viagem eu passei à frente de uma casa e ouvi o som de engenho moendo cana. Parei à porta daquela casa para comprar uns litros de garapa de cana, que adoro demais. Saiu uma senhora. Eu desci do carro com um galão de cinco litros. Entrei e pedi para que ela me vendesse cinco litros de garapa de cana. Naquele exato momento, entrou o marido e foi dizendo para a mulher: “O que este homem está fazendo aqui?” Era mais ou menos umas 20h. Ela lhe respondeu: “Ele quer comprar cinco litros de cana.” Ele respondeu-me: “Não vendo cana pro senhor. Vai embora, suma daqui.”
-E você, sendo juiz de direito, não reagiu!
-Não. Pra quê? Entrei no meu carro e foi embora com água na boca. Mas vou lhe contar o que aconteceu: Houve uma audiência de briga de terra. Quando eu olhei para o povo que iria assistir à audiência, havia muita gente e veja quem eu vi?
-Quem foi, doutor?
-O dito cujo, que me expulsou da sua casa e não me vendeu a garapa de cana.
-O que aconteceu com ele?
-Depois da audiência, ele sendo o dono da terra que alguém estava em demanda com ele. Ele ganhou a questão. Mas, quando ele ia saindo do fórum, eu o chamei e lhe disse: O senhor já me viu em algum lugar?
-Não senhor.
-Olha bem para a minha cara. Agora já sabe quem o sou.
-Não senhor. Nunca lhe vi.
-Pois vou lhe dizer quem eu sou sem querer lhe humilhar. Sou aquele senhor que entrou na sua casa para comprar cinco litros de garapa de cana, e o senhor me expulsou de sua casa. Lembra agora?
-E aí, doutor, o que o homem lhe respondeu? Pediu desculpa?
-Não. Saiu cabisbaixo, envergonhado. Depois eu soube que ele falou: “Que vergonha que passei! Não ponho mais os meus pés naquele lugar.”
-Doutor, que história triste e alegre esta sua. Que humildade! Poucos são os que procedem assim no poder como Juiz. Tão grande o poder e como autoridade como a sua. Fiquei emocionado ao ouvi a sua luta, a sua vitória e a sua alma como cristão que é. Parabéns, doutor. Lembrei de um texto bíblico do grande Salomão que orou para Deus e disse: “Senhor, não quero riqueza e nem que castigue os meus inimigos. Dai-me inteligência para eu saber governar bem meu povo”.
FIM.


  

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