CONTO de Honorato Ribeiro dos
Santos.
Dia desse eu recebi uma visita de
um amigo conterrâneo e, naquela oportunidade, eu lhe pedi que me contasse toda
a sua vida, sua luta, seu sonho. Ele sentou e eu do seu lado ouvindo
atentamente. Foi mesmo uma entrevista, pois comecei a lhe perguntar e ele me
respondendo calmamente. E a primeira foi esta:
-Onde você fez o primário?
-Lá mesmo na roça. Um professor
leigo alfabetizou-me e depois eu me matriculei no grupo escolar. Todavia, como
eu era pobre, trabalhava de servente de pedreiro, a fim de ganhar dinheiro e
comprar livros, cadernos e outros pertences da escola.
-E, quando você fez o primário,
foi estudar onde?
-Eu vim morar aqui, na casa de
amigos, a fim de matricular-me ao ginásio. Para isso teria que submeter ao
curso de Admissão. Estudei um ano e passei bem e me matriculei ao primeiro ano
ginasial.
-Você concluiu o curso ginasial?
-Sim. Foi a minha primeira
vitória que alcancei.
-E depois, você foi para onde?
-Fui para São Paulo com a cara e
a coragem. Ao chegar lá, comecei a procurar trabalho, pois o meu sonho era
formar-me à advocacia.
-Conseguiu achar?
-Sim, mas fiz um concurso público
de enfermagem. Comprei as apostilhas e comecei a estudar. No dia do concurso
fi-lo e passei. Fui trabalhar como enfermeiro num grande hospital.
-E como conseguiu fazer
vestibular para realizar o seu sonho de bacharel em direito?
-Trabalhava durante o dia e à
noite estudava. Preparei bem e submeti ao vestibular e passei.
-Continuou a trabalhar de
enfermeiro?
Sim, pois teria que pagar a
faculdade. E assim foi toda a minha vida: trabalhando e estudando, até que
chegou o dia de bacharelar-me em direito.
-E depois que você se bacharelou,
foi para onde?
-Submeti ao concurso da OAB para
poder-me advogar.
-E quando passou, você ficou lá em São Paulo?
-Não. Voltei para a minha terra.
-E o que aconteceu com você?
Houve sucesso?
-Houve alegria de minha família e
meus amigos, mas dos políticos não.
-Por quê?
-Preconceito racial e social. Vou
lhe contar: Mandaram me matar, pagando um pistoleiro de aluguel. Eu não havia
ganhado dinheiro para comprar um carro; adquirir uma bicicleta, que era o meu
veículo. Numa daquelas minhas andanças, um pistoleiro entrincheirado apontou a
arma para tirar-me a vida. Mas não conseguiu; desistiu.
-Como assim? Ele não havia
recebido dinheiro para lhe matar?!
-Sim, mas, segundo o mesmo, dias depois
do ocorrido, encontrou comigo e me contou: “Pagaram-me para lhe matar. Eu me
entrincheirei, quando você passou na bicicleta. Eu apontei a arma, mirei bem.
Depois, eu abaixei a arma; arrependido, voltei e devolvi o dinheiro.” (Sic).
-Puxa vida! Meu Deus, seu anjo da
guarda é forte!
-Tenho mais para lhe contar.
-Conte-me. (Aguarde a continuação
desta história).
QUERER É PODER.
Conto de Honorato Ribeiro dos Santos.
(Continuação).
-Mandaram a polícia tomar a minha
carteira de advogado, meus documentos e queriam me prender.
-O que fez você?
-Foi a Salvador dei parte no
Tribunal Regional, comuniquei a OAB do estado. Imediatamente me devolveram.
-O que aconteceu com a polícia
que lhe fez essa injustiça?
-Apenas mudaram para outra
cidade. Não foram punidas. Estávamos em plena ditadura do golpe Militar.
-Depois dessa, o que lhe
aconteceu depois.
-Eu já era juiz da quarta vara.
Peguei o meu carro e fui para Salvador. No meio do caminho havia uma blitz; havia
muitos carros parados sendo revistados. Eu parei meu corro e veio um soldado
mais outro. Pediram-me minha carteira e lhe mostrei a de juiz. Ele pegou, olhou
e disse-me: “Carteira falsa, hei?” (preconceito racial).
-O que você respondeu?
-Nada. Esperei ele me dar ordem
de prisão. Mas um sargento viu e aproximou do meu carro. Quando me viu disse:
Doutor, você aqui?! Que alegria! Há quanto tempo não o vejo. Ele estendeu a mão
e eu estendo a minha num aperto de mãos, e o soldado me devolveu a minha
carteira e segui viagem.
-Você não disse nada para o
sargento?
-Não. Para quê. Nessa mesma
viagem eu passei à frente de uma casa e ouvi o som de engenho moendo cana.
Parei à porta daquela casa para comprar uns litros de garapa de cana, que adoro
demais. Saiu uma senhora. Eu desci do carro com um galão de cinco litros.
Entrei e pedi para que ela me vendesse cinco litros de garapa de cana. Naquele
exato momento, entrou o marido e foi dizendo para a mulher: “O que este homem
está fazendo aqui?” Era mais ou menos umas 20h. Ela lhe respondeu: “Ele quer
comprar cinco litros de cana.” Ele respondeu-me: “Não vendo cana pro senhor.
Vai embora, suma daqui.”
-E você, sendo juiz de direito,
não reagiu!
-Não. Pra quê? Entrei no meu
carro e foi embora com água na boca. Mas vou lhe contar o que aconteceu: Houve
uma audiência de briga de terra. Quando eu olhei para o povo que iria assistir
à audiência, havia muita gente e veja quem eu vi?
-Quem foi, doutor?
-O dito cujo, que me expulsou da
sua casa e não me vendeu a garapa de cana.
-O que aconteceu com ele?
-Depois da audiência, ele sendo o
dono da terra que alguém estava em demanda com ele. Ele ganhou a questão. Mas,
quando ele ia saindo do fórum, eu o chamei e lhe disse: O senhor já me viu em algum
lugar?
-Não senhor.
-Olha bem para a minha cara. Agora
já sabe quem o sou.
-Não senhor. Nunca lhe vi.
-Pois vou lhe dizer quem eu sou
sem querer lhe humilhar. Sou aquele senhor que entrou na sua casa para comprar
cinco litros de garapa de cana, e o senhor me expulsou de sua casa. Lembra
agora?
-E aí, doutor, o que o homem lhe
respondeu? Pediu desculpa?
-Não. Saiu cabisbaixo,
envergonhado. Depois eu soube que ele falou: “Que vergonha que passei! Não
ponho mais os meus pés naquele lugar.”
-Doutor, que história triste e
alegre esta sua. Que humildade! Poucos são os que procedem assim no poder como
Juiz. Tão grande o poder e como autoridade como a sua. Fiquei emocionado ao
ouvi a sua luta, a sua vitória e a sua alma como cristão que é. Parabéns,
doutor. Lembrei de um texto bíblico do grande Salomão que orou para Deus e
disse: “Senhor, não quero riqueza e nem que castigue os meus inimigos. Dai-me
inteligência para eu saber governar bem meu povo”.
FIM.
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